Grupo tem campanhas mais baratas; algumas enfrentam ameaças de cassação ou de conselho de ética
A vereadora Fernanda não foi convidada para uma convenção do próprio partido em sua cidade. Pauleteh, suplente, teve de entrar na Justiça para tentar assumir o cargo. Linda viu seu projeto de lei ser enterrado apenas por conter a palavra LGBT.
Minoria da minoria, as candidaturas trans são geralmente feitas com valores módicos. Uma vez no cargo, além da rotina de ameaças, elas convivem com isolamento político, falta de apoio dos partidos e bloqueio sistemático aos projetos, principalmente os que versem sobre o tema LGBT.
Algumas ainda acabam sendo alvo de ameaças de cassação, denúncias à comissão de ética e até tentativa de vetar sua posse.
É isso que mostram relatos obtidos pela Folha durante a apuração da série Trans na Política, que ouviu dezenas de transexuais, especialistas e representantes de entidades ligadas a este grupo.
Erica Malunguinho (PSOL) foi eleita deputada estadual em São Paulo em 2018, sendo a primeira parlamentar trans em uma Assembleia Legislativa do país. Logo nos primeiros meses de mandato, em 2019, ouviu o deputado Douglas Garcia, hoje no Republicanos, dizer que tiraria no tapa uma transexual que usasse o mesmo banheiro feminino que sua mãe ou irmã.
“A minha presença na Alesp é pedagógica, é necessário naturalizar nossa presença em espaços de sociabilidade. Mas não vou dar nenhum passo atrás”, diz Erica.
Além da rotina marcada pelo preconceito, ela se deparou com uma oposição sistemática, principalmente de evangélicos, em relação aos projetos que visem a inclusão do público LGBT. No entanto, ela sente que, independentemente do tema, o fato de ser quem é também afeta o julgamento de seus pares.
“Pode ter certeza que meus projetos são muito lidos, são os únicos que efetivamente que as pessoas tentam se debruçar. Pelo fato de sair de mim muitos vêm com suspeições, existe uma discriminação e perseguição.”
Nesse contexto, qualquer menção à questão trans ou LGBT pode ser a senha para extinguir mesmo projetos simples, como datas comemorativas.
A vereadora Linda Brasil (PSOL), de Aracaju (SE), por exemplo, tentou incluir a Semana da Visibilidade Trans no calendário municipal, mas o projeto acabou rejeitado.
De acordo com ela, primeiro houve um pedido de votação nominal –incomum em casos de votação de datas comemorativas, geralmente aprovadas por aclamação.
”[A maioria dos vereadores] começou a votar não e não deu justificativa. No final, eu pedi para fazer uma fala e eu disse que a única justificativa era transfobia institucional. E por causa dessa fala eles ameaçaram me levar para o conselho de ética”, disse Linda.
Esse tipo de ameaça não é isolado. Ao menos duas vereadoras entrevistadas pela Folha, Filipa Brunelli (PT), de Araraquara, e Gilvan Masferrer (DC), de Uberlândia, foram alvos de pedidos de cassação por motivos diversos, que acabaram não avançando, mas são vistos como uma forma de pressão.
Para a vereadora Isabelly Carvalho (PT), de Limeira (SP), os diversos tipos de bloqueio à atuação das parlamentares trans mostram vários vieses de preconceito.
“A gente vê muita transfobia institucional, aquela que impregnada nas relações, com dificuldade, por exemplo, da gente pautar um projeto nosso. Você nega uma informação aqui, omite uma informação ali e acaba, querendo ou não, prejudicando a atuação política. E isso também advém da transfobia”, diz.
A vereadora Titia Chiba (PSB), de Pompéu (MG), acrescenta que o preconceito acaba prejudicando não só a população trans. Na cidade dela, por exemplo, um conselho de direitos humanos foi rejeitado porque contemplaria, também, o público LGBT.
Entre 27 parlamentares trans do país, 13 são de cidades pequenas, onde costuma haver grande resistência a esse tipo de projeto. Muitas vezes as próprias candidatas acabam se filiando a partidos conservadores, com parte dos integrantes avessos a qualquer política para a população trans, por questão de falta de opção no município.
Vereadora da pequena Piraju (29 mil habitantes), no interior de São Paulo, Fernanda Carrara é filiada ao PTB, um dos partidos mais conservadores do país. Embora não se julgue conservadora, acabou entrando para a sigla devido à conjuntura política na cidade.
Na sigla, com apenas dois vereadores na cidade, ela sofre de isolamento político. “Teve até uma convenção na minha cidade que não fui comunicada”, diz. “Eu já entrei em contato com meu partido, com o PTB mulher, disse que sou uma mulher trans, nunca responderam”.
A eleição das parlamentares transexuais em cidades pequenas, muitas vezes, se dá à revelia dos partidos e devido ao reconhecimento de sua atuação em órgãos públicos da cidade pela população.
Myrella Soares (eleita pelo DEM, atual União Brasil), por exemplo, ficou conhecida por atuar numa unidade de saúde de Bariri (interior de SP). Em meio ao tabu sobre o tema LGBT no interior, o cargo não lhe garantiu o espaço político que imaginava.
Fonte: Folha de São Paulo