*por Josemar Dantas A introdução na ordem jurídica da Lei n° 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) converteu em realidade o princípio da democracia direta, eis que nasceu da iniciativa popular albergada no direito de o povo propor projetos de lei à Câmara dos Deputados (art. 61, § 2º da Constituição). Mais de 1,5 milhão de pessoas subscreveram a proposta que resultou no mecionado diploma legal destinado à punição e à erradicação da violência contra a mulher. A omissão do Congresso em cumprir, mediante legislação específica, a Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, conduziu a maior vítima de semelhante atrocidade — Maria da Penha Maia Fernandes — a suprir a negligência do Legislativo mediante mobilização da vontade nacional. A desídia parlamentar havia ignorado, também, a Convenção Interamericana do mesmo teor e, mais grave, a prória Constituição (§ 8º do art.226). Colocam-se, mais uma vez, no cenário os fatos já conhecidos para nele projetar decisão do juiz Rafael Wolf, do Rio Grande do Sul. Em sentença lavrada em ação proposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) condenou marido que matou a mulher a facadas, em 2009, a pagar, desde então, a pensão devida aos dois filhos da mãe assassinada. A obrigação deverá ser cumprida até que os beneficiários completem a idade de 21 anos. Sem precedentes, até então, na crõnica do Judiciário, a pena decretada pelo magistrado inova no tocante à aplicação de reprimenda penal para além da letra fria da Lei Maria da Penha. Não há previsão nela, de forma clara, inquestionável, do tipo de reparação financeira acolhida por Wolf. Trata-se, portanto, de interpretação construtiva, que desponta do exame meticuloso das intenções (mens legis) da legislação pertinente. Diz a peça legislativa aprovada pelo Congresso (art.4º) que, “na interpretação desta lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições pecualiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar”. A decisão de Wolf pode ser até reformada nos tribunais superiores — se o fosse, seria retrocesso frustrante da expectativa nacional —, mas impossível ignorar que atendeu “aos fins sociais” da lei. Outro dispositivo também o socorre, como fonte de interpretação condizente com o deferimento da ação do INSS. Entre as modalidades de violência contra a mulher, figura a “violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores, direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”. O ressarcimento das despesas do INSS pode encaixar-se aí como terceiro atingido pelos efeitos do homicídio praticado contra mãe de dois filhos. Aliás, o art. 927 do Código Civil ensina; “Aquele que por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Outro suporte que concede sinergia à solução do conflito adotada por Wolf, quanto ao viés interpretativo, é o artigo 13 da multifalada legislação. Diz-se ali que, nas demandas da espécie, “aplicar-se-ão os códigos de Processo Penal e Processo Civil”. Fundamental, contudo, é que o veredicto serve como suporte jurídico a ser admitido — espera-se — nas demais instâncias do Judiciário. Afinal, trata-se de avanço na proteção aos direitos das mulheres, com o sentido, também, de advertência àqueles que as torturam e confiam na impunidade. E para inibir os dispostos a agir da mesma maneira.
* Josemar DantasÉ editor do suplemento Direito & Justiça, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros Publicação: 11/03/2013 no Correio Braziliense |
Fonte: Correio Braziliense
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