Instituto responsável por conceder propriedade intelectual diz que ainda não há dados por gênero
Apesar de a participação das mulheres cientistas em patentes ainda ser tímida no Brasil, essa é uma situação comum na carreira de Alane Vermelho, professora titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Sua propriedade intelectual mais recente é um pigmento natural para ser usado em produtos cosméticos como batons e esmaltes, muitas vezes coloridos por produtos sintéticos, alguns contendo metais pesados e tóxicos.
A preocupação em realizar pesquisas para a produção de tecnologias limpas é antiga e move a docente, que já tem outras patentes registradas. O novo produto que ela criou é biodegradável, portanto, saudável para o ser humano e para ao planeta, segundo ela, e está em fase de comercialização.
“Como cientistas, nós temos um papel a prestar com a sociedade. Há anos trabalho com produtos que não agridem o ambiente. A gente fica pensando até quando o planeta vai aguentar”, afirma a professora de 65 anos, que diz haver um movimento importante para aumentar a inclusão de mulheres em patentes.
De acordo com Luciana Hashiba, vice-coordenadora do Centro de Inovação da FGV/EAESP (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), as patentes são instrumentos de proteção da propriedade intelectual de pesquisa ou projeto tecnológico, cujo empresas podem ter interesse comercial, para que não sejam usados por concorrentes ou outras pessoas sem consentimento.
Alane é uma das cientistas representadas em pesquisa inédita realizada pela Inova UFRJ, núcleo de inovação e tecnologia da universidade carioca, que revela a participação das cientistas nas patentes da instituição.
Segundo a mostra, 87% dos pedidos de propriedade intelectual formulados pela universidade carioca entre 2017 e 2021 têm ao menos uma mulher listada entre os inventores. A universidade também concentra a maior proporção de inventoras em patentes, 46%, de acordo com análise no mesmo período. Do total de 816 cientistas, 373 são do sexo feminino contra 443 do masculino.
A diretora da Inova UFRJ, Kelyane Silva, afirma que o mapeamento tinha a intenção de diagnosticar como estava a participação das mulheres em patentes na instituição para elaborar políticas públicas mais eficientes.
“O resultado foi bem expressivo. Cada vez mais as mulheres estão se envolvendo, mas esse ramo ainda é dominado por homens. Tanto é que dentro da UFRJ, a maioria dos cientistas é do sexo masculino. Mas quando olho por patente [em grupo ou exclusiva], o número de mulheres sobe para 87%.”
Kelyane dá outros dados sobre as patentes na UFRJ. Do total de 148 concedidas no mesmo período da análise, 129 tinham a participação de mulheres como inventoras, enquanto 19 delas eram compostas apenas por homens.
A professora titular da Universidade Federal do Ceará Claudia do Ó Pessoa, que também é pesquisadora do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), tem com sua equipe quatro patentes concedidas pelo INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) no último ano na área farmacêutica, com ênfase em produtos ou processos no tratamento câncer.
Mas, para ela, embora a presença de mulheres na ciência tenha crescido nos últimos anos, ainda permanece com acentuado desnível quando se examina a presença feminina no protagonismo dos projetos científicos e no processo de inovação.
Em sua opinião, isso se reflete na atividade de patenteamento, em que a participação das inventoras permanece ínfimo em comparação com a dos homens. “O número desigual de patentes sugere que menos mulheres têm a chance de desenvolver algum invento devido às barreiras que enfrentam para avançar nos campos da ciência e áreas tecnológicas”, afirma.
Ela prossegue: “menos atenção é dada à inovação desenvolvida por mulheres em determinada área porque o campo empresarial é majoritariamente masculino e a participação das cientistas como protagonista no ambiente empreendedor é inexpressivo. Portanto, as mulheres por vezes não se sentem inseridas como líder do processo de inovação”.
Na Ufscar (Universidade Federal de São Carlos), no interior de São Paulo, os homens inventores também predominam. Considerando apenas docentes, pesquisadores, pesquisadoras, estudantes de graduação, pós graduação e técnico-administrativos com vínculo com a instituição, os cientistas são 459, enquanto as mulheres são 263.
Do total de 1.529 pedidos de patente solicitadas desde 1987 pela USP (Universidade de São Paulo) ao INPI, 956 possuem uma ou mais mulheres no quadro de inventores, um índice de 62,5%, entre professoras, alunas e funcionárias.
Luciana, da FGV, afirma que há movimentos para aumentar a participação das mulheres em patentes, mas não na velocidade desejada para haver um impacto mais forte.
Ela, que afirma já ter passado por constrangimentos por ser mulher, avalia que o sexo feminino enfrenta obstáculos na carreira, como a falta de incentivo para a área tecnológica, vista como masculina.
Além do mais, ela diz, muitas sofrem preconceito e temem a instabilidade por ter que fazer pausas na carreira, como quando, por exemplo, decidem ser mães. “Isso tudo reflete nas patentes, que são apenas o final de uma cadeia de educação e pesquisa.”
A UnB (Universidade de Brasília) afirma em nota que todas as docentes, discentes e servidoras de seu grupo de pesquisadoras desempenham papel fundamental na concepção de novas tecnologias.
Para resguardar os direitos de propriedade intelectual da UnB, o Núcleo de Propriedade Intelectual realiza a proteção dessas tecnologias em diversos ramos da propriedade intelectual e possui mais de 700 tecnologias desenvolvidas e protegidas junto ao INPI (veja abaixo mais detalhes desta e de outras instituições).
Questionado sobre o número de mulheres em patentes no país, o INPI afirmou que sua base de dados não permite a filtragem automática dos dados por gênero, já que não há um campo específico para isso.
Mas, em nota, o INPI disse que está trabalhando no desenvolvimento de metodologias para que possa, em breve, estratificar os dados dessa forma. A autarquia federal destacou ainda que avança nessa questão por meio do Comitê Estratégico de Gênero, Diversidade e Inclusão, instituído no ano passado.