Está na hora de queimar novos sutiãs – e de rir de quem não achar graça disso
Os machistas que me perdoem, mas feminismo é essencial. Não que uma coisa se oponha à outra. O machismo é aquele que acredita que a mulher é inferior ao homem, ocupa uma posição de submissão só por ser mulher e tem talento para algumas coisas específicas, como cuidar da casa e dos filhos. Já o feminismo trata de ser menos unilateral. Ele defende que homens e mulheres são iguais e, basicamente, deseja que elas possam viver suas vidas da maneira que acharem melhor, uma vez que lhe sejam oferecidas as mesmas oportunidades que eles têm.
Uma rápida busca no Google com as palavras “machismo” e “América Latina” resulta em um punhado de links em inglês associando esse fenômeno e a cultura do “macho” (escrito em espanhol mesmo) exclusivamente à nossa região e à nossa cultura. Ou, no melhor dos casos, trazendo um alerta curioso, do tipo “machismo já não é apenas um mal latino-americano”. E de fato não o é, talvez para a surpresa de alguns. Machismo equivale a falta de informação e de respeito, o que no fim das contas equivale a pobreza e falta de educação. Infelizmente, ainda nos tempos de hoje, tudo isso faz parte da realidade da América Latina, ainda que sejam frequentes, nos últimos anos, os esforços para mudar. O machismo que sustenta nossa sociedade patriarcal recebe diferentes adubos e goles de água para seguir crescendo. Quero falar de dois desses estímulos de manutenção e crescimento, muito poderosos, mas que não raro passam reto aos nossos olhos, ocupados com questões “maiores” e manchetes de jornal.
O primeiro deles: a criação de meninos e meninas com base a uma dicotomia de cores – azul e rosa – que, no fim das contas, representa muito mais do que escolhas de guarda-roupa e decoração. Sabemos que é antiga e passada de moda a associação de crianças a cores específicas e, inclusive, algo que não mereceria atenção se não resultasse em uma cadeia de associações que terminam criando homens e mulheres com a mentalidade de que eles são defensores natos, fortes, líderes, e elas, frágeis, lindas, indefesas. O Equador sacou o perigo desse hábito aparentemente banal e incluiu um spot de vídeo sobre essa história em sua campanha “Reacciona Equador, el machismo es violência”, lançada em 2010. Em imagens, o vídeo traduz o ciclo: quarto rosa ou azul, bebê ou arma de brinquedo pra presente, menina se maquiando no espelho ou menino experimentando luvas de boxe, ela com o olho roxo, ele batendo, e ambos, quando adultos, colocando pra fora o que internalizaram ao longo de suas vidas. Assista ao vídeo aqui
O segundo adubo de que quero falar é o humor. Sabe-se que poucos recursos são mais eficientes do que ele para educar, porque só a risada faz a curva quando os obstáculos de entendimento parecem intransponíveis. No Brasil, há alguns anos assistimos praticamente calados a um boom de comediantes que, com seus pobres shows de stand up, fazem as piadas erradas, corroborando visões machistas, sexistas, racistas e outros “istas” da nossa sociedade.
Sobre o tema, circula na internet há algum tempo o documentário O riso dos outros, do jovem cineasta Pedro Arantes. Hit viral, o filme discute os limites do humor através de entrevistas com comediantes como Rafinha Bastos e Danilo Gentili, de um “lado”, e, de “outro”, personalidades ligadas de alguma maneira ao humor, como o escritor Antonio Prata e o cartunista Laerte Coutinho, além de ativistas como o deputado Jean Willys e Lola Aronovich. Assista ao vídeo aqui
Coloco um lado e o outro, porque de fato o humor, sendo a ferramenta poderosa que é – jamais ingênuo, por sinal –, também é uma questão de ocupar posições. Para dizimar o machismo em uma sociedade, de fato é preciso ir muito além de piadas como a de Rafinha sobre estupro, para citar um único e contundente exemplo. A ideia está contida em O riso dos outros, que elogio não só pelo conteúdo pertinente, mas por sua maneira respeitosa de olhar a questão e, sobretudo, de enxergar as pessoas. Claro que o filme toma posturas, afinal essa verdade está na base de tudo, humor incluído.
Seja como for, o machismo é um mal que se aprende. Por cores, brincadeiras e risadas. Está na hora de queimar novos sutiãs – e de rir de quem não achar graça disso. |
Fonte: Opera Mundi
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