Gabriela Montaño fala sobre participação feminina na política: “não basta só eleger uma mulher, é preciso acompanhá-la no processo de transformar o Estado”
Nas últimas eleições gerais, em outubro de 2014, a Bolívia alcançou níveis históricos de ocupação do Poder Legislativo por mulheres. Se, no retorno à democracia, em 1982, elas representavam menos de 1% da Câmara de Deputados (somente uma em 130 legisladores) e apenas 7% no Senado, hoje o país possui uma assembleia com paridade entre homens e mulheres. No Senado, elas ocupam 44% das cadeiras, enquanto chegam a 51% na Câmara, casa presidida por uma mulher: Gabriela Montaño, jovem médica eleita pelo MAS (Movimento ao Socialismo), que também já chegou a chefiar o Senado. “Na Bolívia, as mulheres antes eram suplentes, assessoras. Hoje, somos protagonistas de espaços legislativos”, afirma Montãno. A deputada, entretanto, acredita que o processo de participação efetiva das mulheres na política deve ir além do pleito eleitoral. “Muitas vezes tendemos a acreditar que basta eleger uma mulher, mas isso não é suficiente. É necessário acompanhá-la nesse processo de construção do Estado, de transformação do Estado, de construção de leis.” Desde a chegada de Evo Morales ao poder, em 2006, o processo constituinte de elaboração de uma nova Carta Magna para o país foi, para muitos movimentos de mulheres, um marco no avanço da luta por direitos. A Constituição do Estado Plurinacional da Bolívia, em vigor desde 2009, trouxe à agenda, por exemplo, a ideia de despatriarcalização vinculada à de descolonização, cristalizada em instituições do Estado que tratam ambos os temas. Embora garanta às mulheres — e aos homens — o direito a exercer seus direitos sexuais e reprodutivos, a Constituição ainda preserva alguns retrocessos. O aborto continua ilegal no país, apesar de despenalizado em caso de estupro ou risco para a mulher. Além disso, tentativa recente de anular artigos do Código Penal em conflito com a Constituição não foi adiante, mas a discussão sobre a interrupção voluntária da gravidez ganhou força no país. Montaño esteve em Buenos Aires em março para participar do Fórum Internacional pela Emancipação e Igualdade, organizado pelo Ministério de Cultura da Argentina. Durante o evento, participou — e foi a única mulher — da mesa sobre Novas Esquerdas e Tradições Populares na América Latina. Na ocasião, conversou com Opera Mundi sobre o aumento no número de mulheres que ocupam cargos eletivos no Legislativo boliviano. Também falou sobre como a aliança entre movimentos indígenas e de mulheres na Bolívia foi importante na “irrupção do plebeu”, conceito frequente na tradição sociológica latino-americana quando se fala sobre movimentos populares que protagonizam mudanças sociais. Leia os principais trechos da entrevista com Gabriela Montaño, presidente da Câmara de Deputados da Bolívia: Opera Mundi: Depois das últimas eleições, 49% da Assembleia Boliviana é composta por mulheres. A Câmara de Deputados, presidida pela senhora, tem 51% de suas cadeiras ocupadas por mulheres. A maior representação legislativa implica maior voz aos movimentos de mulheres? OM: E no caso de mulheres que chegam a cargos legislativos, mas não têm em sua agenda de trabalho questões importantes para os movimentos de mulheres? Muitas vezes as mulheres são acusadas de ser pouco pragmáticas e eu acho que é justamente o contrário. Nós somos muito pragmáticas, mas sabemos dialogar mais. Sabemos procurar saídas diferentes aos problemas porque tivemos que negociar com o poder durante muitas décadas sem ser parte dele. Conhecemos e temos ferramentas importantes para o diálogo, para o debate, para a negociação. OM: No processo político boliviano que termina por levar Evo Morales ao poder, em 2006 – em que movimentos indígenas têm grande importância -, que lugar ocupa a agenda dos movimentos de mulheres? OM: E qual é a relação entre despatriarcalizar e descolonizar? OM: E quais seriam esses inimigos comuns? OM: Esses direitos aparecem na Constituição Boliviana. OM: Isso incluiria o direito a decidir sobre uma gravidez. Há alguma expectativa de discussão sobre a despenalização do aborto durante o terceiro mandato de Evo Morales? |
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Fonte: Opera Mundi
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