POR CUCA LAZAROTTO* Elas são jornalistas, comunicadoras, formadoras de opinião, professoras, cantoras e guerreiras. Negras! Chegar lá não foi fácil. E não é mesmo para a maioria de nós, apresentadoras e repórteres. Mas a vontade e a determinação leva qualquer um a qualquer lugar. Já dizia o rolling stone Mick Jagger: You can always get what you want (Você sempre pode conseguir o que quer). Só que é preciso ter muita certeza do que se quer e querer de verdade, se dedicar, estudar, aproveitar as oportunidades e nunca perder o foco. Os objetivos são particulares, cada um tem o seu. O bacana é ver que essas colegas estão aí fazendo bonito na televisão. Talvez você esteja se perguntando: por que uma concorrente loira está aqui, na Raça, escrevendo sobre essas “novas profissionais” da comunicação televisiva. Bem, primeiro porque fui convidada pelo editor dessa revista, Fran Oliveira, para fazer essa matéria. O que é um privilégio! Segundo, exatamente por ser uma colega e estar na TV há mais tempo do que elas e, portanto, ter o distanciamento que me permite entender o caminho destas excelentes profissionais que hoje se destacam na mídia. Quando comecei na TV, em 1990, eram muito poucas as negras atuantes no telejornalismo brasileiro, se não me engano apenas Glória Maria e Zileide Silva. Estas que, sem dúvida serviram de inspiração e são exemplo e referência para as nossas estrelas dessa reportagem: Anelis Assumpção, Joyce Ribeiro, Lica Oliveira, Luciana Barreto, Maria Julia Coutinho e Roberta Garcia. O estopim para essa reportagem foi exatamente a evolução e a ocupação por novos profissionais negros na mídia. E já que elas ocupam esse espaço, falamos sobre isso, sobre o reflexo dessa conquista na comunidade negra brasileira e também qual o caminho que as trouxe até aqui, seus ideais, e um pouco mais… Mais uma vez, por saber muito bem como é ser apresentadora, dar uma entrevista e nem sempre ler exatamente o que eu disse, e também por respeito e admiração por elas, é que daqui para a frente você vai ler, literalmente, o que elas sentem, viveram e me contaram.
Elas não são as únicas afrodescendentes no ar na televisão brasileira, existem muitas(os) outras(os). Mas todas concordam que o espaço do negro na mídia é ainda muito pequeno, mas extremamente importante. Segundo Luciana, basta pensarmos na história do Brasil. “Há pouco mais de 100 anos nós estávamos na cozinha e na roça, sem estudo e sem perspectivas. Hoje, chegamos à universidade, superamos as adversidades e estamos conquistando nosso lugar no mercado de trabalho. Isso é maravilhoso! Acho que se nós ainda temos poucos negros no jornalismo é porque também temos poucos na universidade. É só um reflexo.” Joyce acredita que “temos vários motivos para comemorar, mas ainda não está nem perto do ideal. O fato de estarmos um pouco mais representados na TV, faz a comunidade acreditar que as coisas podem ser transformadas, neste ponto ajuda muito, mas a realidade de vida ainda é muito dura, desigual, excludente. No mundo das artes e no esporte, a aceitação do negro já é maior. As pessoas ainda estranham a presença do negro em áreas como medicina, engenharia, jornalismo, publicidade, direito.” Anelis acredita que a questão seja mais profunda. “Não é só na mídia que a “ocupação” deve acontecer. Tem muito negro (leia-se pobre) fora da escola. Como ser um bom profissional em qualquer área estando fora do sistema? A identificação é muito importante para a auto-estima do cidadão! Num país onde mais de 60% da população é negra, não dá pra ligar a televisão e achar que você não faz parte desta sociedade.”
ELEVANDO A AUTO-ESTIMA Roberta lembra que “a competência não tem cor”. Existem sim poucos negros na televisão, não por falta de vaga, mas por falta de oportunidade de estudo e influência, conseqüência de uma grande falha em nossa formação cultural. Roberta me contou que, certa vez, ao encontrar o rapper Rappin Hood ouviu um comentário maravilhoso: ‘Quando começa o Ação Compacto a favela pára!’ Isso quer dizer que, quanto mais blacks aparecerem, mais aquele menino negro que não tem perspectiva e não tem em quem se espelhar, sabe que também pode chegar lá. Todos nós precisamos de um personagem que desperte nosso desenvolvimento.” A apresentadora Lica Oliveira constata que “ainda somos poucos, mas somos alguns. A diversidade nas empresas só traz benefícios. O nosso país é colorido nas ruas, mas quando alcançamos patamares socioeconômicos um pouco mais elevados, esta gama de cores diminui. E a TV como empresa, prestadora de serviço e um veículo de relevante valor na nossa sociedade, percebe o momento de mudança, os questionamentos desta sociedade e o anseio por identidade. E, em razão disto, começa a investir em profissionais negros, contribuindo assim, para diluir o olhar estigmatizado que se criou, tornando visíveis os trabalhos destes bons profissionais”, diz concordando que essa evolução realmente muda alguma coisa no dia-a-dia dos negros na sociedae brasileira. “A identificação ou o estranhamento são despertados em quem nos assiste em um primeiro momento. Porém, diante da imensa população negra deste país, acredito que a identificação se sobreponha ao estranhamento. Estão nos dando a oportunidade de fazer muitos jovens acreditarem que é possível o negro fazer televisão e o que mais ele acreditar que possa nesse nosso país. Além de melhorar a auto-estima”, afirma Lica Oliveira. Maria Julia concorda com as colegas e completa: “acredito que a evolução da conquista de espaço dos negros nos meios de comunicação deve-se muito a pressão feita pelos movimentos de defesa da comunidade negra.” Quanto ao reflexo do seu trabalho na TV Cultura ela exemplifica com uma história interessante. “Outro dia, uma garota negra de 8 anos de idade me enviou um desenho cujo título era “Garotas Estilo Maria Julia”. Ela desenhou quatro garotas com meu biotipo, usando diferentes estilos de cabelos. Isso prova que estamos elevando a auto-estima daqueles que se consideram negros. Eles olham para os profissionais negros que ocupam uma posição de destaque na televisão, ou em outros setores, e pensam: eu também posso!” COTAS NA UNIVERSIDADE O bom é saber que elas são exemplo para as gerações futuras e que esse espaço está apenas começando a crescer. É como disse Roberta Garcia. “Quem eram os jornalistas negros brasileiros de ontem? Não me lembro, não tenho referência. Hoje, estão no ar, em diversos canais abertos e fechados. Isso é ótimo, e me deixa muito otimista em relação às próximas gerações.” Todos nós ficamos otimistas! O respeito pelas diferenças, a igualdade, ganhando novas e maiores proporções. Isso sem nenhuma interferência política. Todos sabem que a questão das cotas nas universidades é polêmica. E ao falar sobre o assunto com as entrevistadas percebi que todas elas acreditam que esta seja uma medida necessária, apenas por um período. Maria Julia acredita no poder dos debates. “O importante no sistema de cotas ou no Estatuto da Igualdade Racial é o embate de idéias gerado pela possibilidade de implantação dessas medidas. Creio que desse conflito surgirão soluções conciliatórias que atendam à sociedade em geral. A Unicamp, por exemplo, adotou um sistema de inclusão diferente. Lá, o Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social prevê uma compensação de pontos na nota final dos alunos e beneficia também os estudantes negros e indígenas.” Minha opinião vai de encontro com a da Roberta, o problema está na base da educação, temos que melhorar o nível do ensino fundamental para um futuro melhor. “Não adianta ter cotas na universidade e as nossas crianças continuarem com essa ´sem educação´ que o país oferece”, diz Roberta. Na verdade a questão é muito mais social do que racial. “A questão não é ser negro. É ser pobre!”, diz Anelis. Como eu disse no começo dessa matéria o importante é acreditar no sonho e fazê-lo acontecer. E foi isso que elas fizeram.
SONHAR É PRECISO Maria Julia desde criança vivia brincando de apresentar telejornal, redigia jornaizinhos na escola ou apresentava trabalhos escolares em forma de telejornal. A primeira experiência televisiva foi no laboratório de TV da faculdade. Ao fazer a primeira reportagem para o Edição Extra, ela decidiu que gostaria de trabalhar com vídeo. Já Roberta sempre quis fazer rádio e por isso começou na Rádio Cultura. Uma vez lá dentro acabou experimentando a televisão, meio que sem querer, só para provar para si mesma que TV era o que ela não queria. Hahaha, foi picada pelo bichinho e viciou. Luciana lembra que quando criança dizia que seria jornalista e que trabalharia no Jornal do Brasil. Mas desde o princípio a vida rumou para televisão e ela decidiu não lutar contra isso. O primeiro estágio em TV foi no Canal Futura e lá ela se dedicou plenamente. “Você sabe que, como toda “minoria”, o negro acaba tendo de provar talento e competência no trabalho”. Seu objetivo era se tornar “indispensável porque realmente precisava muito do emprego”. Depois de muitas batalhas e algumas conquistas lá estão elas, no ar, reportando ou apresentando, e a busca de cada uma continua. A grande motivação para Roberta é a interação. “Sou uma formadora de opinião, tenho essa responsabilidade e levo muito a sério as matérias que produzo. Meu ideal é instruir sempre, com respeito e credibilidade.” O que motiva Joyce e Anelis é ver a cada dia um resultado melhor. Anelis busca apresentar um programa de música, investigativo, interessante… Joyce quer liderar um t elejornal respeitado. “Liderar um jornal é uma união dos conceitos que são aprendidos com os anos”. Já para Luciana a motivação é o aspecto social. “É inevitável. Sempre quis ser jornalista para divulgar o que de bom pode ser feito no mundo e para o mundo.” O seu sonho profissional? “Saber a hora certa de sair do vídeo e começar a escrever.” A preocupação social de Luciana faz parte do dia-a-dia da jornalista e professora. “Há dez anos eu dou aulas de redação para estudantes do Educafro (curso de pré-vestibular para negros e carentes), um trabalho que acrescenta muito na minha vida e, óbvio, também na deles. Em 1996 eu era exatamente como qualquer um dos meus alunos – uma menina pobre, moradora de uma região que carecia de tudo e que sonhava em me tornar uma profissional de nível superior. Hoje, quando meus alunos me vêem eles pensam “É possível. Eu vou conseguir.” Por outro lado, quando eu olho para eles eu penso: “Nossa, quantos obstáculos eu já superei.” É isso aí galera. Está dado o exemplo. Agora é só acreditar. Buscar. Lutar. E depois sentir o gosto da vitória e não perder o foco, nem a humildade. Quanto a você e eu, nos cabe dar audiência a todas elas para que possamos assisti-las por muitos e muitos anos. Sorte meninas! *CUCA LAZAROTTO É APRESENTADORA DO PROGRAMA METRÓPOLIS, DA TV CULTURA. |
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Fonte: Raça Brasil
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