*Por Leonardo Sakamoto Entrei em uma loja de armarinhos e pedi determinado rolo de linha e agulha para poder pregar alguns botões fujões e arrumar a maldita bainha de uma calça que insistia em se soltar, num desespero de causa para tocar o chão. Um grupo de simpáticas senhoras de cabelos brancos, ouvindo meu pedido, veio me dar os parabéns. Achei engraçada a cena e expliquei que fazer isso era mais barato que apelar sempre para os serviços de um profissional – o que seria vergonhoso, ainda mais para um neto de costureira. Até que uma delas reclamou que a nora era uma “inútil” porque não sabia pregar um botão da camisa do filhinho dela. De forma bastante delicada, para não atrapalhar aquele momento-chá-da-tarde, perguntei se o pimpolho não poderia ele mesmo fazer isso. Rindo de forma doce, ela soltou um “claro que não!”. Afinal, ele era homem. Eu é que estava indo além das minhas tarefas. Pessoas ficam amuadas comigo quando digo que a família é uma das instituições responsáveis por passar preconceitos adiante, reforçando uma programação machista do indivíduo, por exemplo. Mas por trás do que parecem serem sábias palavras de pai e mãe, das quais nos lembramos com carinho e se tornam leis supremas para o resto da vida, não raro escondem-se grandes bizarrices. A maior parte das incumbências que se atribuem aos gêneros não é por conta de características físicas que diferenciam homens e mulheres – elas são capazes de fazer tudo o que nós fazemos, nós é que não somos capazes de fazer tudo o que elas podem fazer. Da mesma forma, uma “tradição” não existe desde sempre, ela é construída ao longo tempo, feito camadas de cebola sobrepostas, e não raro embute em sua gênese uma relação dominador/dominado, fantasiada de costume, cujo real significado perde-se na repetição passiva sem reflexão. Em suma, limpar a casa e cuidar dos filhos não é coisa de mulher. Muito menos fazer bainha de calça. Daí alguns leitores dizem: “Ah, mas eu sou homem e passo a vassoura na casa, levo os filhos na escola e prego botões. Então, você está errado, japa”. Se você se orgulha de fazer sua obrigação, deve ver essas atividades como favores feitos a alguém – à sua companheira, talvez? O que é ridículo. Isso deveria ser tão corriqueiro – entre nós, homens – como respirar ou comer, atos que fazemos sem questionar ou nos sentir grandiosos por isso. Mas se mamãe (que junto com papai, doutrinou-me direitinho em preconceitos e visões excludentes de mundo) ensinou assim, quem sou eu para negar? Enfim, pobres noras. *Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Professor de Jornalismo na PUC-SP, é coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. |
Fonte: Blog do Sakamoto
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